15/02/21 POR FOLHAPRESS
POLÍTICA ELEIÇÕES-2022
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A um ano e oito meses das eleições de 2022,
o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) convive hoje com oposições
fragmentadas à direita e à esquerda, em um cenário que pode beneficiá-lo na sua
tentativa de ser reconduzido ao cargo.
Enquanto disputas internas consomem energia nos dois campos, a definição
de candidaturas e a montagem de alianças começam a engatinhar, isso depois que
a possibilidade de abertura de um processo de impeachment deu sinais de
enfraquecimento.
Aspirante a opositor de Bolsonaro nas urnas, o governador João Doria
(PSDB-SP) tropeçou em obstáculos domésticos nos últimos dias que podem dificultar
seu sonho de candidatura nacional, nutrido desde sua vitória para prefeito da
capital paulista, em 2016.
A semana problemática do tucano, na esteira da eleição de Arthur Lira
(PP-AL), aliado de Bolsonaro, para a presidência da Câmara dos Deputados,
envolveu também rusgas com o DEM, que vinha sendo tratado como aliado certo na
eventual chapa de Doria.
O ex-juiz Sergio Moro e o apresentador da TV Globo Luciano Huck (ambos
sem filiação) engrossam a lista de potenciais candidatos, mas ainda são dúvidas
para o jogo eleitoral. Os dois e Doria navegam em faixas ideológicas
semelhantes, o que deixa o quadro ainda mais embolado.
O DEM, até então tido como peça-chave no tabuleiro do tucano, ainda
aventa a possibilidade de lançar seu próprio presidenciável, o ex-ministro Luiz
Henrique Mandetta.
A malfadada candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) para o comando da
Câmara, bancada por alas da direita e sustentada por deputados de centro e de
esquerda, deu um gostinho dos desafios pela frente.
À esquerda, o clima é de repeteco, com as habituais críticas à hegemonia
do PT, que colocou na rua a pré-candidatura de Fernando Haddad, o adversário
vencido por Bolsonaro no segundo turno de 2018. A movimentação foi autorizada
pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) já haviam se colocado à
disposição, o que alimenta ameaças à famigerada utopia de unidade da esquerda.
Publicamente, os três partidos afirmam estar dispostos a formar alianças, mas
nos bastidores as dificuldades para isso são consideráveis.
A pulverização de forças e a incerteza geral são vistas como atípicas
por analistas e dirigentes partidários ouvidos pela reportagem. Não se
descarta, no entanto, a hipótese de que o ambiente desanuvie já nos próximos
meses, abrindo espaço para coalizões.
A título de comparação, à mesma altura de 2013 –20 meses antes da
reeleição da então presidente Dilma Rousseff (PT)– os principais pré-candidatos
de 2014 já estavam bem explícitos, nas pessoas de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo
Campos (PSB).
A situação no pleito de 2018 foi diferente porque no meio do caminho
houve o impeachment de Dilma, e o então presidente Michel Temer (MDB) não
buscou a reeleição.
Para o cientista político Carlos Melo, a fragmentação que assola os
polos adversários de Bolsonaro é sintoma de um problema anterior: as cisões
dentro dos próprios partidos.
"O DEM vive uma ambiguidade: é um partido da direita liberal ou o
velho PFL fisiológico? E o PSDB, é o partido social-democrata do Fernando
Henrique Cardoso ou uma sigla conservadora de direita? O PT é o PT do Lula ou o
da Dilma?", explana.
Para o professor do Insper, as tão faladas frentes anti-Bolsonaro só
serão viáveis se, antes, as legendas fizerem "uma depuração interna",
com o apaziguamento de tensões.
"Uma frente pode ter divergências, mas um partido tem que ter alguma
unidade", diz Melo.
"Quando você se depara com crises econômicas e democráticas mais
profundas, com o surgimento de algo [Bolsonaro] que é percebido como uma ameaça
ao próprio sistema político, natural seria que houvesse uma aglutinação."
Defensora da união da direita, a deputada estadual Janaina Paschoal
(PSL-SP) afirma não ver agora um cenário propício para isso. Ela, que esteve
perto de ser vice de Bolsonaro em 2018, passou a fazer críticas a ele e já
chegou a defender a renúncia do presidente.
Hoje, a parlamentar paulista de perfil conservador se mostra reticente
sobre repetir o apoio a ele ou endossar outro postulante.
"Não tenho definido quem apoiarei. Tudo depende dos candidatos, de
seus vices. O único nome que ainda faz algum sentido, a meu ver, é o de Moro.
Os demais, respeitosamente, não penso em apoiar. Aliás, não penso nem sequer em
votar", diz.
No chamado setor progressista, a confirmação de Haddad como o possível
postulante petista –considerando que Lula é hoje inelegível– incomodou alas do
PSOL, do PDT e do próprio PT, que cobram um entendimento em nome de união desse
campo.
O PT diz que o ex-prefeito foi lançado porque o partido precisa entrar
no debate eleitoral e rejeita as críticas de que estaria impondo um nome já
derrotado por Bolsonaro.
"Temos que falar sobre um projeto alternativo para o Brasil, e esse
projeto precisa ser vocalizado, papel que caberá ao Haddad", diz a
presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).
Segundo ela, a intenção é dialogar com partidos de centro-esquerda para
construir alianças. "Todos os partidos têm legitimidade para apresentar
nomes. Temos que procurar o Boulos, o Flávio Dino [PC do B], o Ciro, para que a
gente estabeleça um grau de avanço para o Brasil."
Em provocação ao outro lado, Gleisi afirma que é "a direita
liberal" que está desorganizada. "A eleição para a presidência da
Câmara [dos Deputados] abriu a chaga para a divergência entre eles. O PSDB está
dividido, o DEM também. O racha lá é de projeto, diferentemente do que acontece
no campo progressista."
Segundo o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, o grupo de Ciro
aprova a unidade da centro-esquerda e está aberto ao diálogo, desde que seja
respeitado o projeto nacional desenvolvimentista defendido pelo ex-ministro.
O PDT mantém conversas com PSB, Rede e PV. "Tudo em cima do
projeto. E hoje o nome do Ciro é o mais forte. Mas, se tiver um nome melhor que
o nosso para defender o nosso projeto, nós aceitamos. Não temos orgulho,
não", contemporiza o dirigente.
"É direito do PT apresentar o Haddad. Mas, por enquanto, é só o
nome. Um grande nome, mas não tem ainda o projeto. Fica mais difícil o
diálogo", diz Lupi.
Gleisi rebate: "O PT tem, sim, um plano de reconstrução e transformação
do Brasil. Haddad é quem vai apresentar o projeto do PT e conversar com todas
as lideranças".
"O PT já governou o Brasil, tem projeto para o país, é o partido
forte da oposição. Por que não teria direito de apresentar seu nome e seu
projeto? É um debate que queremos fazer sem imposições e sem vetos. Estamos
dispostos a fazer isso com o conjunto dos partidos de oposição", diz.
Arestas à parte, os presidentes do PDT e do PT concordam no diagnóstico
de que Bolsonaro chegará combalido à eleição, embora não menosprezem sua força.
"Nos encontramos em 22" foi a resposta dada em tom irônico por
Bolsonaro a parlamentares de partidos de oposição que o chamaram de fascista e
genocida enquanto ele participava da sessão de abertura do ano no Congresso, no
início deste mês.
Segundo pesquisa Datafolha do fim de janeiro, o presidente é avaliado
como ruim ou péssimo por 40% da população, ante 32% que assim o consideravam na
rodada anterior da pesquisa, no começo de dezembro.
A piora no desempenho se deu em meio ao agravamento da crise de gestão
da pandemia da Covid-19 e ao fim do auxílio emergencial. O benefício,
responsável por turbinar a popularidade de Bolsonaro em 2020, deverá voltar a
ser pago, mas com valor menor.
O governo trabalha com a possibilidade de prorrogação por três meses, a
partir de março, o que pode ser um trunfo para a melhora nos índices de
aprovação.
Na avaliação da cientista política Camila Rocha, o atual titular do
Planalto é o grande beneficiado pela resistência dos adversários eleitorais à costura
de blocos.
"Sem uma definição [dos oponentes], ele se desgasta menos",
diz a pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que
tem estudado o comportamento de eleitores bolsonaristas.
Camila afirma ver com naturalidade os candidatos do tipo balão de ensaio
apresentados por legendas a esta altura da disputa eleitoral, mas considera que
uma demora prolongada na escolha dos competidores pode frustrar parte do
eleitorado que busca alternativas a Bolsonaro.
"Nas pesquisas, tenho visto que as pessoas que são contra a
continuidade do presidente, tanto eleitores dele que se arrependeram quanto
quem não votou nele, falam muito da importância de ter uma união em torno de
uma candidatura ou projeto. Esperam que os políticos não sejam tão míopes ou
egoístas."