Por Cristina Indio do Brasil – Repórter
da Agência Brasil - Rio de Janeiro
Os fatos revelados pela Polícia
Federal (PF) e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), na
segunda-feira (24), referentes à delação do ex-policial militar Élcio de
Queiroz sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes, no dia 14 de março de 2018, deixaram a advogada Marinete da
Silva, mãe de Marielle, mais confiante na continuidade das investigações e na
possibilidade de se desvendar quem ordenou a execução do crime e qual foi o
motivo.
“Estou com uma expectativa muito
grande. Foi um avanço. E acho que é possível ter mais detalhes, com essa
afirmativa de que realmente o Ronnie Lessa foi o executor, com os requintes de
crueldade com que o parceiro dele fala. Estamos vivendo um novo momento, e vale
muito a pena continuar acreditando, como sempre acreditei. Eu nunca pensei que
não poderíamos chegar aos mandantes”, afirmou Marinete, em entrevista à Agência
Brasil.

A
advogada Marinete da Silva, mãe da vereadora assassinada Marielle Franco
- Tomaz Silva/Agência Brasil
Mesmo considerando que ainda tem
muitos detalhes para serem revelados, a advogada disse que a esperança da
família na solução do crime é muito grande. “Estou muito ansiosa, com muita
esperança, e a família tem feito isso, tenho dado esse voto de confiança e
também perseverado muito que vai acontecer, sim. Esse passo foi
superimportante, e vale muito a pena ficarmos atentos e mais confiantes.”
“A barbaridade que eles
cometeram precisa ter essa reparação toda e nós vamos conseguir saber o porquê
e quem mandou matar Marielle e Anderson”, ressaltou.
A viúva de Anderson, Agatha
Arnaus Reis, também espera que, finalmente, o crime seja solucionado por
completo, respondendo inclusive às perguntas que ainda estão no ar sobre quem
encomendou as execuções e o porquê. Ela acredita que com base nas informações
contidas na parte da delação mantida em sigilo, a PF e o MP possam aprofundar
as investigações para chegar a quem mandou executar o crime e o motivo. “Eu
torço para que sim. Eu sei tudo que o Élcio disse tem que ser primeiro
confirmado, em todo um trabalho da investigação, mas eu torço que sim. Também
não tenho acesso a tudo, mas estou com muita expectativa de que consiga com as
informações que ele já deu o MP e a Polícia consiga chegar ao mandante,” disse
à Agência Brasil.

Agatha
Amaus, durante a missa pelos 5 anos da morte de seu marido Anderson e Marielle
Franco - Tânia Rêgo/Agência Brasil
A viúva de Anderson, Agatha
Arnaus, confessou que já não tinha esperança de haver avanço nas investigações,
mas ressaltou que, com a delação de Élcio de Queiroz, surgiram informações
novas importantes para o processo. “Se não tivesse havido a delação, a gente
não teria mais um caminho a seguir. Vieram informações novas, e já estava tanto
tempo parado mesmo, era a sensação que eu tinha. Já não tinha de onde tirar
nada, então, acho que veio a luz no fim do túnel”, afirmou.
Segundo Agatha, a descrição do
passo a passo do planejamento e da execução do crime apresentado pelo grupo da
PF e do MPRJ mostra que a delação foi comprovada. “Só o fato dele [Élcio] se
colocar, assumindo que estava dirigindo [o Cobalt prata de onde foram
disparados os tiros] e que estava lá é superimportante. A gente não tinha isso
no preto no branco. É uma confissão dele. Não sei se a gente conseguiria prova
tão contundente quanto essa. Nos últimos tempos, foi a situação mais importante
do processo”, enfatizou.
Para Marinete da Silva, a
criação de um grupo na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro,
que atua em conjunto com o Ministério Público estadual, reforçou as
investigações, embora a PF estivesse presente durante todo o processo desde a
ocorrência do crime. “A gente sempre caminhou com a Polícia Federal, não
intensamente como está agora, com um grupo solo, como está no projeto da Marielle.
Já tinha parceria com a Polícia Federal, mas não como está hoje, com um grupo
para trabalhar só o processo da minha filha. É diferente, por determinação do
ministro [da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino]. É com este olhar
diferente do governo que a gente está vivendo, tenho uma expectativa e muita
esperança de que a gente chegue, sim, aos mandantes”, afirmou.
Marinete disse que o trabalho já
está dando resultado e que vale a pena confiar e acreditar. "A confiança
no que está sendo feito é fundamental. Não é fácil. É um processo emblemático,
um processo que já tem cinco anos e quatro meses. É claro que muitas provas, e
muitas coisas a gente já não recupera, mas o caminho é este. Que alguém fale
alguma coisa, e o primeiro passo foi dado. Um dos caras, envolvido totalmente,
já falou alguma coisa, e que a gente consiga algo positivo”, acrescentou.
Segundo Agatha, foi a ação mais
efetiva da Polícia Federal que provocou os avanços. Ela lembrou que,
anteriormente, a PF já havia participado das investigações e disse que não sabe
se a motivação de Élcio de Queiroz para prestar as informações foi a presença
mais forte desse grupo. “Qualquer esforço, qualquer apoio que a gente tenha na
investigação é bem-vindo. O combo deste ano de Polícia Federal, Ministério da
Justiça, ministro [Flávio] Dino, foi um combo favorável para que essas coisas
rolassem, assim.”
Agatha ressaltou que, se alguém tinha dúvida de que foram eles, não tem mais. O
fundamental é exatamente isso. O planejamento, o mentor, teve alguém que
financiou, porque não tem outra coisa para a gente achar que alguém tem ódio e
cometa alguma coisa daquele tipo, só porque teve raiva ou não gosta. Não tem
isso. Então, o mais importante no primeiro passo foi saber que foram eles
mesmos”, completou Marinete da Silva.
Anistia Internacional

A diretora
executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck - Tânia
Rêgo/Arquivo/Agência Brasil
Para a diretora executiva da
Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, a morte de Marielle deixou muitos
legados e outros ainda podem surgir. Um deles é destacar, mais uma vez, o
quanto o Brasil é perigoso para gente que luta por justiça, por dignidade e por
igualdade. “Marielle era uma ativista desde os 15 anos de idade. Foi morta no
centro da cidade, próximo ao Centro de Comando e Controle da Segurança Pública
do Rio de Janeiro. Foi morta um mês depois de ter-se iniciado a intervenção no
Rio de Janeiro, sob a liderança do general Braga Neto. Ela foi morta em um dos
países mais perigosos do mundo. O assassinato dela chamou atenção do mundo para
o quanto é perigoso ser ativista no Brasil e também o quanto é perigoso ser uma
mulher negra de favela e ser também uma mulher lésbica. Tudo isso junto é
iluminado com o assassinato de Marielle”, afirmou Jurema, em entrevista à Agência
Brasil.
Na visão de Jurema, o
assassinato de Marielle foi uma tentativa de silenciar uma luta por direitos
humanos, mas isso os criminosos não conseguiram. “Isso também chama a atenção
para o legado dela. Quando ela foi brutalmente assassinada, outras mulheres
negras se levantaram e se colocaram como sementes de Marielle. A gente tem nos
parlamentos municipais, nos parlamentos estaduais e no parlamento federal,
várias mulheres negras, lésbicas, trans, mulheres que assumiram para si a
reivindicação e o papel que Marielle não pôde cumprir até o final. Este também
é um legado, e é um legado de abrir a cloaca do crime organizado no Rio de
Janeiro, a cloaca da omissão do governo do estado, a cloaca da omissão do
Ministério Público”, reforçou.
De acordo com a diretora da
Anistia Internacional, ficou evidente também a participação de agentes do
Estado, como o policial apontado por ter vazado informação a Ronnie Lessa sobre
uma operação que seria feita pela polícia, além do ex-bombeiro Maxwell Simões
Corrêa, parceiro de Lessa. “Crime organizado é isso. Milícia é isso. Agentes
públicos que se organizam para cometimento do crime usando recursos do Estado.
Marielle foi assinada, segundo a denúncia do Élcio de Queiroz, por uma
submetralhadora pertencente ao Batalhão de Operações Especiais, a chamada tropa
de elite do Rio de Janeiro. É tudo muito grave”, acrescentou.
Quanto à violência, infelizmente,
nada mudou para os defensores de direitos humanos no Brasil, que continuaram
sendo mortos desde a morte de Marielle, destacou a ativista. Jurema lembrou os
assassinatos de Paulo Paulino Guajajara, líder da Terra Indígena Araribóia, no
Maranhão, em 2019; de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, líder indígena de Rondônia, em 2020;
do ambientalista José Gomes, o Zé do Lago, sua companheira Márcia Nunes Lisboa
e sua enteada Joane Nunes Lisboa, em São Félix do Xingu, no Pará, em 2022, além
dos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no
Vale do Javari, no Amazonas, também em 2022.
“Só estou citando casos de
repercussão. Todas essas pessoas foram assassinadas depois de Marielle, e o
Estado brasileiro não fez nada para proteger a vida delas. Se fez, não foi o
suficiente, ou infelizmente nada mudou, mas é preciso que mude. Nós, da Anistia
Internacional, vamos continuar mobilizados para que um dia realmente mude”,
completou.
Fatos novos
Sobre a divulgação de partes da
delação de Élcio de Queiroz, Jurema afirmou que sempre que se aproxima de uma
data redonda, surgem fatos novos sobre os assassinatos de Marielle e Anderson.
“Para o ponto de vista da Anistia Internacional, o que foi apresentado agora,
como antes, não é suficiente. O que eles apresentaram é que Ronnie Lessa, Élcio
de Queiroz, Maxwell e Edmilson Macalé estavam envolvidos neste crime. Isso já
se sabia antes. Eles apresentaram também a informação de que ela foi morta com
armamento pertencente à polícia. Isso já se apontava também, só não se sabia a
quem pertencia a arma. Antes se acreditava que era da Polícia Civil, agora,
segundo Élcio de Queiroz, indica-se que era da Polícia Militar e, mais do que
isso, do Batalhão de Operações Especiais”, afirmou.
Apesar de enfatizar que algumas
informações reveladas agora já eram conhecidas, Jurema Werneck disse esperar
que surjam novidades no que ainda está sob sigilo. “Eles estão dizendo que foi
uma tocaia, um crime preparado com muita antecedência. Acho que, em sã
consciência, ninguém imaginou que foi uma decisão de última hora executar um
crime tão bem organizado, a gente não sabia quanto tempo levou, mas podia
imaginar que a preparação levou um tempo razoável. Também sabíamos que os
executores eram pessoas vinculadas às milícias a agentes do estado, policiais,
ex-policiais, bombeiros ou ex-bombeiros. Até aí não tem novidade, espero que
naquelas informações que permanecem em sigilo, ali sim, tenha alguma informação
nova”, concluiu.
Jurema Werneck disse que ainda
há perguntas sem respostas. Afirmam que a investigação passa para outro
patamar, mas ainda há muitas perguntas sem respostas, observou a ativista, que
diz esperar esclarecimentos sobre questões sobre, por exemplo, como uma arma do
Bope foi parar na mão de Ronnie Lessa; como a munição da Polícia Federal
terminou no corpo de Marielle e de Anderson. "Como é que, depois desse
tempo todo, com tantos nomes indicados, alguns deles ainda estão no serviço
ativo como servidores do Estado. Por que a Polícia Civil, que é afinal de
contas a encarregada desse inquérito originalmente, depois de quatro anos, não
apresentou nenhuma novidade, e a Polícia Federal, começando a trabalhar depois
da posse do novo superintendente do Rio, já apresentou algumas informações e já
se moveu?”, questionou.
A ativista acrescentou que houve
denúncias de promotoras do Ministério Público, que atuaram anteriormente nas
investigações, sobre interferência indevida no processo. “Que interferência é
essa? Até hoje, ninguém disse. Por que o Ministério Público demora tanto e [por
que] mudou tanto de mão essa investigação? Por que o Ministério Público
permanece sem fazer o controle externo da atividade policial, uma vez que as
próprias notícias dizem que há servidores ativos, ainda trabalhando, que são
parte dessa engrenagem de produção de morte?”
“Há tantas perguntas sem
respostas. Espero que, de fato, seja um novo patamar, mas é preciso que as
autoridades apresentem as novidades reais para que possamos saber. A Anistia
Internacional, desde o princípio, vem advogando a constituição de uma comissão externa
de especialistas, com gente que, olhando para as investigações, possa falar com
propriedade se as coisas estão sendo feitas corretamente”, ressaltou.
A diretora da Anistia
Internacional lembrou que Marielle completaria 44 anos nesta quinta-feira (27).
“Uma data muito triste. Falo com nó na garganta. Fico imaginando a dor das
famílias, dos pais, da filha, da irmã, das sobrinhas, da viúva. Fico imaginando
a dor da viúva de Anderson também, tendo que rememorar tudo isso. É preciso que
essa dor se transforme em soluções. É isso que se espera: soluções, respostas e
mudanças. A gente espera que o Rio de Janeiro e o Brasil mudem de fato”,
concluiu Jurema.
Respostas
Em resposta à Agência
Brasil, que pediu um posicionamento sobre as declarações de Jurema Werneck,
a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) informou que continua
investigando o caso e trocando informações com os demais órgãos envolvidos nas
apurações. “A participação da Polícia Federal agrega força e conhecimento ao
trabalho investigativo”, disse a Sepol.
“Vale ressaltar que a delação
corroborou o acerto investigativo da Polícia Civil e acrescentou novos e
relevantes dados da execução, representando mais um importante passo para se
chegar ao mandante e à motivação do crime. A delação apresentada neste momento
foi feita por um dos investigados presos pela Polícia Civil”, acrescentou a
secretaria.
Já o Ministério Público do Rio
de Janeiro destacou sua dedicação ao caso e os avanços obtidos ao longo dos
últimos anos após a denúncia dos executores do crime. O MPRJ informou que, em
março de 2021, foi criada uma força-tarefa específica para o caso, considerada
prioridade pela Procuradoria-Geral de Justiça, com substituições pontuais de
promotores, a pedido. “Ao longo daquele ano, a força-tarefa obteve conquistas
como: uma nova condenação de Ronnie Lessa e de sua esposa, por lavagem de
dinheiro, a partir de provas que demonstravam a incompatibilidade de renda
declarada; recorreu para aumentar as penas de Ronnie Lessa e de outros quatro
condenados no processo sobre a obstrução das investigações do caso; e obteve
acordo judicial com o Facebook para disponibilizar dados para a investigação.”
No final de 2022, o MPRJ obteve,
junto ao STJ, decisão que obrigava o Google a fornecer dados sobre quebras de
sigilo telemático determinadas pela Justiça, com reiterados pedidos de multa
pelo atraso no fornecimento das informações, com apresentação de recursos em
instâncias superiores. “Também obteve a condenação de Ronnie Lessa a 13 anos de
prisão por comércio ilegal de armas e operações contra organizações criminosas
envolvendo milicianos e a cúpula do [jogo do] bicho, que tinham ligações com o
acusado.”
De acordo com o Ministério
Público, nos últimos dois anos, o trabalho voltado à identificação dos
mandantes reuniu provas e contou com diversas diligências, além dos avanços
mencionados anteriormente.
“Lembramos que a investigação
conta com o acompanhamento das famílias das vítimas, recebidas periodicamente
no MPRJ para ciência dos esforços realizados pela instituição para a elucidação
do crime. O momento é de construção de uma cooperação que vem se mostrando
exitosa para que todos os objetivos das investigações sejam alcançados, não
havendo qualquer tipo de interferência no âmbito do Ministério Público”,
destacou a instituição.
Edição: Nádia Franco

