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O difícil ano de 2020, marcado pelo início da
pandemia de coronavírus, que já ceifou a vida de mais de 260 mil brasileiros,
quase 9.000 deles paraenses, ainda não terminou, do ponto de vista fiscal, para
muitos prefeitos que permaneceram no cargo para um segundo mandato e, também,
ex-prefeitos que terão suas contas de mandato julgadas pelos órgãos de controle
externo. Muitos gestores, aliás, sequer se preocuparam em entregar os balanços
de governo, mesmo mais de um mês do prazo encerrado.


Nesta sexta-feira (5), o Blog do Zé Dudu puxou a
ficha das prefeituras do Pará para saber a situação delas quanto ao resultado
final entre receitas arrecadadas e despesas pagas em 2020, e a situação não é
nada boa para ao menos 30 dos 61 municípios que conseguiram homologar seus
relatórios de execução orçamentária junto ao Tesouro Nacional, órgão máximo de
contas do país.
Esses 30 prefeitos fecharam as contas — e, pior, em
alguns casos entregaram a prefeitura ao sucessor — com rombo que varia de pouco
mais de R$ 10 mil a mais de R$ 100 milhões. A situação mais crítica é a da
Prefeitura de Belém, que foi repassada de Zenaldo Coutinho para Edmilson
Rodrigues com déficit fiscal de absurdos R$ 108,95 milhões. Isso nunca antes
havia sido registrado na história da administração da capital. Na prática,
implica dizer que o gestor antecessor gastou R$ 100 milhões a mais que o que
entrou nos cofres públicos durante o ano passado.
O Blog do Zé Dudu foi atrás de mais informações
sobre o rombo e analisou a íntegra do anexo 6 do Relatório Resumido da Execução
Orçamentária (RREO) do 6º bimestre, onde o dado se encontra escondido nos
mínimos detalhes. Acontece que a Prefeitura de Belém registrou arrecadação de
receitas primárias da ordem de R$ 3,246 bilhões ao longo de 2020, mas Zenaldo
Coutinho pagou R$ 3,355 bilhões em despesas. Aí a conta não fechou.
Mas as despesas contraídas pelo então prefeito de
Belém em 2020, de R$ 3,205 bilhões, caberiam perfeitamente dentro da
arrecadação — e ainda sobraria troco — não fosse a ela terem sido acrescentadas
as pedaladas de anos anteriores. Os tais “restos a pagar”, tanto os processados
pagos (R$ 125,8 milhões) quando os não processados pagos (R$ 24,4 milhões)
engrandeceram os gastos públicos, e a arrecadação de Belém não suportou.
Some-se a isso o fato de a prefeitura da capital ser uma das mais falidas, em
se tratando de arrecadação.
Sem inovar em saúde, educação, tecnologia,
saneamento básico e segurança, Belém deixa de arrecadar verdadeiras fortunas
porque grandes empreendimentos e investidores correm da cidade por ela não ser
atrativa para negócios. A falta de saneamento básico e a precária
infraestrutura urbana são, talvez entre todos, os pontos que mais repulsam
investimentos e, por consequência, levam à prefeitura à estagnação financeira.
Em termos comparativos, a Prefeitura de Goiânia, que governa para uma população
do tamanho da de Belém, arrecada 71% mais.
Além de Belém, fecharam com rombos escalafobéticos
nas contas, superiores a R$ 10 milhões, as prefeituras de Jacundá (R$ 22,78
milhões), São Miguel do Guamá (R$ 17,64 milhões), Novo Repartimento (R$ 15,89
milhões) e Barcarena (R$ 14,3 milhões). A situação de Jacundá chama atenção
porque o rombo representa nada menos que 21,7% da arrecadação do município, que
totalizou R$ 105,16 milhões. Em linhas gerais, o prefeito que assumiu Jacundá
este ano já recebeu um município totalmente afundado em crise financeira. Haja
abacaxi para descascar.
Canaã com lucro épico
O ano de 2020 foi, também, o período em que a
Prefeitura de Canaã dos Carajás bateu todos os recordes, no Pará e no Brasil.
Além de assumir a dianteira nacional no quesito arrecadação por habitante, a
Terra Prometida fechou as contas reportando superávit fiscal de impressionantes
R$ 160,66 milhões. Nem a Prefeitura de Parauapebas, nos seus mais bonitos
sonhos ao longo de 32 anos de história, conseguiu se aproximar desse resultado,
que só é registrado quando um gestor gasta menos do que arrecada.
Na realidade, a administração do ex-prefeito Jeová
Andrade viu tanto dinheiro entrando nas contas de Canaã dos Carajás no ano
passado que se perdeu sem ter com o quê gastar, já que foram despejados muitos
milhões em royalties de mineração para um município que conta com somente 60
mil moradores. A prefeitura do pequeno Canaã dos Carajás surrou gente grande e
faturou muito mais que as prefeituras de capitais como Rio Branco (AC) e Macapá
(AP).
Acompanham Canaã com resultados excelentes as
prefeituras de Marabá (R$ 99,13 milhões), Parauapebas (R$ 79,56 milhões) e
Ananindeua (R$ 59,48 milhões), todas as quais no “Top 5” das mais ricas do Pará
(a ordem das mais ricas em 2020 foi: 1º Belém, 2º Parauapebas, 3º Marabá, 4º
Canaã e 5º Ananindeua — relembre
aqui).
Erros nas declarações
Ao analisar os balanços, o Blog do Zé Dudu também
identificou alguns vacilos graves informados pelos gestores, como no caso das
prestações de contas de Afuá, que reportou superávit fiscal de R$ 97,97
milhões, e Santa Maria das Barreiras, que informou R$ 67,18 milhões.
Chamou a atenção do Blog a envergadura do resultado
de Afuá, uma vez que a receita líquida local no ano passado foi de R$ 99,23
milhões. Então, como, com essa receita, a prefeitura informou lucro de R$ 97,97
milhões? Para isso acontecer, ela praticamente teria gasto nada durante o ano.
O Blog investigou mais a fundo e descobriu que o que pode se apresentar como
superávit é, na verdade, um rombo. Erro no preenchimento do anexo 6 do RREO
levou à gafe.
Afuá apresentou receita primária de R$ 101,18
milhões e o Blog descobriu que o município pagou R$ 109,6 milhões em despesas,
após somar as despesas do ano com os restos a pagar. Com isso, as contas de
2020 devem ter sido fechadas com rombo de R$ 8,42 milhões, e não com superávit
como aparenta.
O caso de Santa Maria das Barreiras é similar. Como
um município que só arrecadou R$ 63,89 milhões líquidos em 2020 pode ter
declarado um lucro de R$ 67,18 milhões ao Tesouro Nacional? O Blog também
investigou. A receita primária da prefeitura local foi de R$ 70,88 milhões enquanto
todas as despesas pagas totalizaram R$ 64,48 milhões, de maneira que Santa
Maria das Barreiras até fechou as contas com superávit, mas de R$ 6,4 milhões
e, portanto, muito inferior ao declarado aos órgãos de controle externo.
O Blog do Zé Dudu identificou um problema comum às
prestações de contas de Afuá e Santa Maria: a não declaração de informações,
durante o preenchimento do anexo 6 do RREO, referentes às despesas pagas no ano
corrente, item que aparece zerado. Em decorrência disso, o cálculo feito leva
em conta apenas as despesas pagas como restos a pagar, daí render um aparente
superávit, que nem existe — no caso de Afuá, há um claro rombo nas contas. A
prestação de contas da Prefeitura de Cumaru do Norte também apresenta problema
idêntico.
Para além disso, chama atenção a falta de
compromisso dos gestores paraenses com a prestação de contas, uma vez que 83
prefeituras (58% das 144) estão em situação de atraso (ou boicote) quanto à
homologação de seus balanços. O desfecho da inadimplência poderá ser ainda mais
trágico.