GM Marabá
A corte concluiu nesta
quinta-feira (20) o julgamento sobre os limites da atuação legislativa para
disciplinar as atribuições das guardas. Prevaleceu o voto do relator, ministro
Luiz Fux, com tese formulada pelo ministro Alexandre de Moraes. Com a decisão,
o Supremo permite, na prática, que as guardas atuem de modo parecido com a
Polícia Militar, fazendo buscas pessoais, por exemplo.
A corte também abre espaço para a
validação de provas obtidas pelos agentes municipais em atuação ostensiva, o
que era motivo de questionamentos no Judiciário.
O tribunal também decidiu que as
guardas estarão submetidas ao controle externo da atividade policial feito pelo
Ministério Público. Fux foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Flávio Dino,
André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre e Gilmar Mendes.
O ministro Cristiano Zanin
divergiu. Para ele, as guardas não têm atribuições ostensivas, nem
investigativas. A divergência só foi acompanhada pelo ministro Edson Fachin.
Segundo Fux, se a Constituição
não prevê uma escolha categórica para a forma de atuação das guardas
municipais, estabelecendo apenas “balizas norteadoras”, não cabe ao Judiciário
decidir o tema de forma muito restritiva.
“Descabe a conclusão pela
existência de uma decisão constitucional apriorística pela qual o município
deverá necessariamente ordenar a proteção de seu patrimônio”, afirmou o
relator.
Para ele, a possibilidade “de
atribuição de policiamento preventivo comunitário às guardas municipais deve
ser vista como um importante instrumento federativo à disposição dos municípios
no combate à insegurança”.
Ao acompanhar Fux em voto
apresentado nesta quinta, Alexandre afirmou que há uma interpretação
excessivamente restritiva à atuação das guardas municipais.
“Acaba-se confundindo a Guarda
Civil Metropolitana, a guarda municipal, com uma guarda patrimonial do
município. Não é guarda patrimonial. A guarda patrimonial é, na maioria dos
municípios, terceirizada. São contratados”, afirmou o magistrado.
A corte fixou a seguinte tese:
É constitucional, no âmbito
dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas guardas
municipais, inclusive policiamento ostensivo comunitário, respeitadas as
atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no artigo 144 da
Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo
submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público,
nos termos do artigo 129, inciso 7, da Constituição Federal. Conforme o artigo
144, parágrafo 8º, da Constituição, as leis municipais devem observar normas
gerais fixadas pelo Congresso Nacional.
Divergência
Para o ministro Zanin, embora o
STF tenha reconhecido que as guardas integram o Sistema Único de Segurança
Pública (Susp), isso não significa igualar sua atuação à das Polícias Civil e
Militar. De acordo com o ministro, no caso das guardas, só há atuação ostensiva
quanto à proteção de bens, serviços e instalações municipais, e não no que diz
respeito ao combate à criminalidade em geral.
“Não podemos eximir a PM, que tem
o papel do policiamento ostensivo, de fazer essa diligência. Se há um problema
de falta de efetivo, temos de resolver dentro do que a Constituição prevê, e
não dando aos guardas uma atribuição que a Constituição não dá.”
Segundo Zanin, guardas podem
atuar em casos de flagrante, efetuando prisões, desde que preenchidos os
requisitos legais. No entanto, não podem fazer buscas pessoais ou atuar de
forma investigativa com base em denúncias anônimas, por exemplo, em casos como
denúncias de tráfico ou demais crimes.
Para o ministro, as guardas
municipais têm papel de polícia sui generis, que deve ficar limitado à proteção
de bens, serviços ou instalações dos municípios, na forma prevista no artigo
144, §8º, da Constituição Federal.
“A atribuição constitucional e
legal das guardas não abrange atividades investigativas e repressivas de
persecução penal próprias das polícias judiciárias como a Polícia Civil e a
Polícia Federal.”
O ministro já havia votado nesse
sentido em julgamento da 1ª Turma do Supremo. Na ocasião, ele afirmou que
guardas municipais não têm o “poder irrestrito” de policiamento ostensivo e
investigativo, mas o de salvaguardar o patrimônio público.
Zanin propôs a seguinte tese:
1. As leis municipais que
tratam sobre a atuação das guardas municipais no âmbito da Segurança Pública
estão adstritas ao feixe de atribuições conferido a estes órgãos pela
Constituição da República e pela lei, nos seguintes termos:
(i) as guardas municipais têm
poderes de polícia sui generis, que lhes permitem realizar patrulhamento
preventivo apenas no que se referir à proteção dos bens, serviços e instalações
municipais (art. 144, § 8º, da Constituição da República e art. 4o da Lei n.
13.022/2014);
(ii) as guardas
municipais poderão excepcionalmente realizar buscas pessoais, com fundamento no
art. 244 do CPP, contanto que vinculadas à imediata prevenção de delitos
contemporâneos contra o patrimônio público municipal e diante da existência de elementos
concretos que indiquem a posse de corpo de delito; ;
(iii) as guardas municipais
poderão realizar prisão em flagrante, assim como qualquer do povo, nas
situações em que o autor do fato esteja efetivamente cometendo a infração
penal, tenha acabado de cometê-la ou seja perseguido logo após a sua prática
(arts. 301 e 302, I, II e III, do CPP);
(iv) as guardas municipais não
têm atribuição para avaliar a fundada suspeita de posse de corpo de delito
(art. 244, CPP e art. 302, IV, do CPP) em crimes diversos daqueles que protegem
o patrimônio público, não podendo, nesses casos, realizar busca pessoal ou
domiciliar com fins de averiguação.
2. É constitucional a lei
local que confere às guardas municipais atribuições de policiamento preventivo,
contanto que vinculada a proteção de bens, serviços e instalações municipais.
Segurança pública
O caso chegou à corte em 2010,
após a Câmara Municipal de São Paulo ajuizar recurso contra decisão do Tribunal
de Justiça paulista que declarou inconstitucional o artigo 1º, inciso I, da Lei
13.866/04. O dispositivo atribuía à Guarda Civil Metropolitana o dever de fazer
“policiamento preventivo e comunitário”.
O trecho havia sido impugnado em
uma ação direta de inconstitucionalidade. Ela foi apresentada com a alegação de
que a Câmara atribuiu funções de polícia à guarda e, portanto, extrapolou o
artigo 147 da Constituição paulista.
O dispositivo espelha o artigo
144, parágrafo 8º, da Constituição Federal, segundo o qual “os municípios
poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
Para o Legislativo paulistano, no
entanto, o trecho impugnado era constitucional, uma vez que trataria de
atribuição relativa à proteção de bens, serviços e instalações municipais, e
não à segurança pública.
“A existência de conflitos entre
cidadãos em logradouros e prédios públicos poderia ocasionar danos ao
patrimônio do município, justificando a intervenção da guarda correspondente”,
argumentou a Câmara no recurso.
O ministro aposentado Eros Grau
havia negado seguimento ao recurso, mas o ministro Luiz Fux, que assumiu a
relatoria do caso em 2011, reconsiderou a questão. Ele entendeu ser necessário
que o STF “defina parâmetros objetivos e seguros que possam nortear o
legislador local quando da edição das competências de suas guardas municipais”.
Atribuições em pauta
As atribuições das guardas
municipais são tema recorrente de julgados no STF e também no Superior Tribunal
de Justiça, em especial nos casos que tratam da validade de provas obtidas por
esses agentes em casos de tráfico de drogas. O fenômeno se insere em um
contexto de expansão das guardas ante o encolhimento das polícias.
Desde 2022, o STJ vinha
estabelecendo uma série de limites à atuação das guardas. No entanto, conforme
mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a corte passou a revisar sua
jurisprudência em função de uma tendência do STF de validar ações de policiamento
ostensivo pelos guardas municipais.
Em outubro, a 1ª Turma do Supremo
considerou, por maioria, válidas as provas obtidas por guardas municipais em
uma busca domiciliar. No caso concreto, o acusado teria dispensado
entorpecentes embalados ao avistar os agentes municipais, que, posteriormente,
foram à residência do suspeito e encontraram o material ilícito.
Ainda na ocasião, o ministro
Alexandre de Moraes, relator do caso, votou para cassar um acórdão da 5ª Turma
do STJ que absolvia o suspeito. Para ele, a guarda atuou legalmente ao efetuar
a prisão em flagrante, uma vez que o tráfico de entorpecentes é crime
permanente e, portanto, aquele que o comete continua em estado de flagrância.
Em junho de 2022, no entanto,
também em decisão da 1ª Turma, o STF optara por restabelecer acórdão do TJ-SP
que absolveu um suspeito de tráfico. Ele havia sido preso em flagrante por
guardas municipais.
Na ocasião, a guarda o abordou
por causa de uma denúncia anônima, mas não encontrou nada ilícito em busca
pessoal. Em seguida, os agentes foram a um terreno baldio que o suspeito teria
ocupado, onde acharam drogas atribuídas a ele.
Também relator do caso, Alexandre
entendeu à época que o flagrante foi legal. Já o ministro Luís Roberto Barroso,
que proferiu o voto-vista vencedor, julgou que a prisão ultrapassou o limite do
flagrante delito, que autorizaria a atuação de qualquer pessoa, e exigiu
diligências investigativas, o que foge da competência constitucional dos
agentes.
Jurisprudência do STF
No período entre as duas decisões
divergentes, em 2023, o Plenário do STF decidiu, na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 995, que as guardas municipais integram o
Sistema de Segurança Pública.
Porém, para o ministro Edson
Fachin, o reconhecimento das guardas como integrantes do Susp não as autoriza a
exceder sua competência, em consonância com o entendimento de especialistas
ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Já em decisão monocrática mais
recente, o ministro Flávio Dino entendeu ter sido legal a busca pessoal feita
pela guarda contra um suspeito de roubo, por haver fundadas razões para isso.
Na ocasião, o magistrado cassou
acórdão da 6ª Turma do STJ que absolveu o suspeito ao ver ilegalidade na busca.
“Fica evidente a incongruência do ato reclamado com a ADPF 995, pois teríamos
um órgão de segurança pública de mãos atadas para atender aos cidadãos na justa
concretização do direito fundamental à segurança”, disse Dino.
(Fonte: Consultor
Jurídico)