O anúncio conjunto, simbólico e
midiático, por parte do governo federal e da mineradora multinacional Vale, de
que um “novo Carajás” está vindo por aí precisa ser analisado com cautela. E
com muita calma nessa hora porque nem tudo é como se parece.
Embora a divulgação tenha sido
feita em Parauapebas, no alto da Serra Norte de Carajás, porção correspondente
ao município, os maiores destinatários e contemplados com o eventual pacote de
R$ 70 bilhões, de agora até 2030, serão os municípios de Canaã dos Carajás e
Marabá. As informações foram levantadas pelo Blog do Zé Dudu.
É simples entender por que esses
dois municípios vão ganhar o protagonismo do programa “Novo Carajás”. Canaã,
que rivaliza pau a pau com Parauapebas na produção mineral e nas exportações,
tendo ultrapassado a Capital do Minério pela primeira vez em 2024 em ambos os
quesitos, vai emergir como o maior produtor de minério de ferro do país,
embalado na expansão da capacidade nominal de produção da mina de S11D para
impulsionar a produção de aço verde mundo afora.
Por sua vez, Marabá, que lidera a
produção nacional de cobre há quase uma década, vai se especializar e se
fortalecer ainda mais nesse ramo, e a Vale precisa disso porque o cobre é metal
para transição energética, fundamental para o alcance da meta de redução das
emissões de carbono.

Impactos em Canaã
Em 2024, a Vale produziu na Serra
Norte de Carajás, em Parauapebas, 94,55 milhões de toneladas (Mt) de minério de
ferro, e a essa produção soma-se a da Serra Leste de Carajás, nos domínios do
município de Curionópolis. Da Serra Sul, situada em Canaã, a multinacional
extraiu 83 milhões de toneladas. Juntos, os três municípios renderam 177,54 Mt
em 2024. Mas a Vale quer chegar a 200 milhões de toneladas por ano (Mtpa) em
2030 para “dar vida” ao seu “novo Carajás”. Então, como fazer isso?
A lógica é ampliar em 20 Mtpa a
capacidade nominal de produção em S11D, na Serra Sul, em Canaã dos Carajás.
Atualmente, apenas o bloco D do corpo S11 é explorado, e naquele município há
minério para mais de um século de extração nos blocos C, B e A, ainda intactos.
Se a meta realmente for
alcançada, a Prefeitura de Canaã dos Carajás incrementará receitas de royalties
para uma média de R$ 100 milhões por mês, a depender da cotação do minério no
mercado internacional no momento da extração, e se tornará o maior arrecadador
de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Pará, conforme
previsões já feitas pelo Blog do Zé Dudu.
Impactos em Marabá
Já a meta para a produção de
cobre é ambiciosa. A Vale disse em comunicado que espera crescimento de “32%,
elevando a produção na região para cerca de 350 mil toneladas (Kt)”. E só. Mas
o Blog do Zé Dudu foi buscar detalhes nas entrelinhas da fala vazia da
mineradora e constatou que o que ela pretende é ampliar Salobo, em Marabá,
novamente. Em 2024, enquanto a mina de cobre Sossego, em Canaã dos Carajás,
produziu 65 mil toneladas de cobre, a mina de Salobo, em Marabá, rendeu 200 mil
toneladas, praticamente toda a capacidade nominal. A meta é elevar Salobo a 300
Kt, enquanto Sossego vai se exaurindo.
Para os cofres públicos de
Marabá, é o mesmo que assistir, em 2030, a uma média de R$ 30 milhões mensais
em royalties de mineração e incremento significativo de outras receitas, como o
ICMS e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Se o planejamento sair como o esperado,
e no preço atual das commodities, não é exagero supor que em uma década Marabá
poderá arrecadar tanto ou mais Compensação Financeira pela Exploração Mineral
(Cfem) quanto Parauapebas, que reinou absoluto nesse tipo de “fonte de renda”
por décadas.
Impactos em Parauapebas
A contribuição de Parauapebas no
processo será quase meramente simbólica. Com suas atuais minas em processo de
exaustão e outras até sendo abertas, porém com infinitamente menos volume de
minério a explorar, a Vale vai investir pesado no que chama de mineração
circular, reaproveitando o rejeito para incrementar em 6 Mtpa a produção. A
ideia é que, diante da exaustão das minas da Capital do Minério, 10% da
produção total da Vale no município se dê por meio da mineração circular até
2030, proporcionando produção sem rejeitos e produtos mais descarbonizados.
Na prática, não haverá
crescimento da receita de Parauapebas, pelo contrário. A depender da velocidade
de exaustão das minas atuais e da reposição de produção para suportar a
exaustão prevista, poderá até mesmo haver retração significativa no recolhimento
de royalties e ICMS, uma vez que o aproveitamento do rejeito tende a ser mais
rápido. É o fim do reinado solitário de uma estrela e o início de uma
constelação de esperanças. Só que para os outros.