
Na foto, o presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) e o presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Senado Federal, senador Carlos Viana (direita) (Foto: )
O tempo
fechou em Brasília, mas o motivo não é climático e sim financeiro. Um dia após
a Receita Federal suspender a isenção tributária sobre a remuneração de líderes
religiosos, a Bancada Evangélica no Congresso Nacional, composta por 132
deputados e 14 senadores, em nota publicada em contas nas suas redes sociais
assinada pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE), promete esquentar ainda mais
o clima tóxico da relação do Executivo com o Legislativo, amenizado no final do
ano passado.
A isenção
tinha sido concedida em agosto de 2022, no governo do então presidente Jair
Bolsonaro (PL). Agora foi revogada por meio de ato publicado no “Diário
Oficial da União” (DOU), pelo secretário especial da Receita, Robinson
Barreirinhas, na quarta-feira (17), gerando um clima de rebelião em líderes
religiosos com mandato ou não, resultando numa das notícias mais comentadas
desta quinta-feira (18).
Na prática,
“os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino
vocacional com ministros de confissão religiosa, com os membros de instituto de
vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, em face do mister
religioso ou para a subsistência”, voltarão a ser “considerados como
remuneração direta ou indireta” — e consequentemente serão tributados como tal.
Segundo
comunicado da Receita, a decisão “atende determinação” do Tribunal de Contas da
União (TCU). A Receita não informou, entretanto, qual a estimativa de
arrecadação com a medida.
Em
dezembro, a unidade especializada em tributação do TCU recomendou a suspensão
da isenção até uma análise definitiva por parte do órgão, ainda sem previsão de
acontecer. O tribunal soltou nota à noite, informando que “ainda não há decisão
no processo que avalia a legalidade e a legitimidade da isenção de impostos”.
Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) informou que a União deixou de
arrecadar cerca de R$ 300 milhões com um ato editado no governo Bolsonaro que
ampliou a isenção de impostos sobre salários pagos a líderes religiosos, como
pastores evangélicos. O valor se refere a um estoque de dívidas que estão sendo
questionadas administrativa e juridicamente pelas instituições religiosas com
base na norma.
A informação
consta em um relatório sigiloso do TCU datado de dezembro de 2023. A cifra foi
calculada pela Receita Federal e leva em conta valores com “exegibilidade
suspensa” ou “parcelada” entre 2017 e 2023.
“Ainda de
acordo com a RFB (Receita), os valores envolvidos que estão suspensos ou em
cobrança somam um total de aproximadamente R$ 300 milhões, sendo que quase R$
285 milhões estão com exigibilidade suspensa”, diz o texto.
A auditoria
do TCU recomenda ainda a abertura de uma sindicância contra o ex-secretário da
Receita, Julio Cesar Vieira Gomes. O procedimento seria tocado pela
Corregedoria do Ministério da Fazenda. Isso ainda será analisado pelo plenário
do TCU.
Os técnicos
do TCU argumentam que, ao conceder benefícios fiscais “sem observar as
formalidades legais ou regulamentares”, o ex-secretário pode ter incorrido em
”infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa”.
Também
afirmou que a medida “carece de exposição de motivos que justifiquem sua edição
e avaliem custos ou impactos sobre a matéria” e “não seguiu o rito” das normas
baixadas pela Receita.
Diante da
repercussão do caso o Ministério da Fazenda não informou se um processo foi
aberto contra Gomes, que já foi alvo de apurações sobre tentativas de liberar
joias sauditas dadas a Bolsonaro e retidas pela Receita no aeroporto de
Guarulhos.
O benefício
foi dado pela gestão Bolsonaro às vésperas das eleições presidenciais e leva a
assinatura de Julio César Vieira Gomes. O tema estava sob análise do Tribunal
de Contas da União (TCU) e também da própria Receita, já que a concessão da
isenção aos líderes religiosos foi considerada atípica porque não passou pelo
crivo da Subsecretaria de Tributação da Receita Federal.
A partir de
agora, valores pagos por igrejas a pastores e por instituições vocacionais
voltam a ser considerados remuneração direta, o que exige o pagamento das
contribuições previdenciárias. Anteriormente, eram tratados como remunerações
somente as frações do pagamento referentes a aulas ou atividade laboral propriamente
dita.
Os atos não
tratam especificamente de igrejas evangélicas, mas a questão que deu origem à
polêmica gira em torno da chamada prebenda, como se denomina a remuneração paga
ao pastor ou líder do ministério religioso por seus serviços.
Internamente,
auditores da Receita entenderam que a prebenda era usada para distribuir
valores de remuneração, mas sem pagamento de contribuição previdenciária, o que
levava a autuação de alguns casos. O ato do governo Bolsonaro dizia que o
pagamento de valores diferenciados, no montante ou na forma, “não caracteriza
esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.
O ato
assinado pelo secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, foi uma
recomendação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Em
nota, o TCU disse que o caso está sob análise e que se manifesta “apenas por
acórdãos ou decisões monocráticas”.
O
presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
(Unafisco), Mauro Silva, defendeu a decisão.
“O ato
anterior (da gestão Bolsonaro) ocorreu em uma data inoportuna e mostrou uma
dose de politização da Receita. O conteúdo não estava resolvido, várias
decisões administrativas apontavam ao contrário. A questão agora é: porque
suspenderam e não anularam logo? Deveria ter sido anulado, há muito tempo. De
fato, tem risco para o Erário”, afirmou.
Se a medida
tivesse sido anulada, haveria possibilidade de a Receita fazer cobranças
retroativas, o que não ocorre na suspensão.
Bancada evangélica fala em
“afronta” às religiões
Um dos
expoentes da bancada evangélica, o segundo-vice presidente da Câmara, Sóstenes
Cavalcante (PL-RJ), afirmou que a decisão é “mais uma prova do veneno do PT
contra religiosos”. O parlamentar, que desconsiderou a recomendação do TCU, vê
na iniciativa uma tentativa do governo de chantagear o grupo, mas pontua que os
evangélicos não cederão à pressão, “pelo contrário”, garantiu.
“Eles estão
suspendendo um ato declaratório explicativo. As igrejas já têm
constitucionalmente a imunidade. Sustar esse ato é mais uma prova do veneno do
PT contra os religiosos. Isso é típico de governo de esquerda”, diz Sóstenes,
oposição ao governo Lula (PT).
O
integrante da Mesa Diretora da Câmara reclama que a medida abre brecha para que
fiscais “façam chantagem e produzam multas indevidas para perseguir o segmento
religioso”.
Segundo
ele, a resistência à iniciativa será política. O deputado do PL garante que
governo não conseguirá se reaproximar do grupo por meio de chantagem.
“Se a
tática do governo é nos chantagear, o tiro vai sair pela culatra e não vamos
ceder. Eu me nego a acreditar que evangélicos vão ceder à chantagem desse
governo e ir lá conversar por causa dessa decisão. Se querem perseguir, que
persigam”.
Sóstenes
Cavalcante acusa a atitude que ocorre no governo Lula (PT) de afronta as
religiões. “Isso não era um ato de Bolsonaro, era um ato elusivo dos técnicos
da receita que elucidava o óbvio: salários de líderes de qualquer constituição
estavam imunes à imposto, à luz da Constituição Federal. Agora, os técnicos de
Lula dão margem a multas indevidas. É mais uma medida de afronta aos
religiosos”, defende o parlamentar.
Na mesma
toada, o presidente da bancada evangélica no Senado, Carlos Viana (Podemos-MG)
afirma que a gestão do petista utiliza as instituições para atacar quem
discorda politicamente. “A esquerda pratica o ditado: “Aos amigos, tudo; aos
inimigos, a lei” — diz Viana. O argumento de perseguição religiosa também foi
mencionada pelo pastor Marco Feliciano (PL-SP), da Assembleia de Deus. “Lula
iniciou sua vingança contra nós”, afirmou.
O fundador
da Sara Nossa Terra, bispo Robson Rodovalho, concorda com os parlamentares e
diz que o ato reiterava o que já estava previsto na Constituição Federal:
“Pastores e padres não tem salários. Conceito equivocado. Temos prebendas
missionárias, nem sempre fixas. Já se tem leis específicas sobre a imunidade,
se alguém recorrer à Justiça, deve cair essa resolução da receita”, garantiu.
O impasse
gera uma nova rusga entre o presidente Lula (PT) e os evangélicos. Desde o
início do governo, líderes reclamam da ausência de proximidade com o Palácio do
Planalto, enquanto pastores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro mantém
críticas ao petista.
Fontes da
bancada evangélica avaliam que a iniciativa afasta ainda mais os evangélicos do
Palácio do Planalto. A tendência é que a oposição ganhe ainda mais força a
partir de decisões do governo que afetem o grupo diretamente.
Essa é a
avaliação do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da
Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de duas lideranças evangélicas que
fundaram a igreja, Edir Macedo e R. R. Soares.
“O
importante é garantir a imunidade, isenções temporárias podem ser derrubadas”,
disse Crivella. Ele menciona uma proposta de emenda constitucional (PEC) de sua
autoria, apresentada no ano passado, como solução para garantir a isenção
tributária total para religiosos em três aspectos: renda, consumo e patrimônio.
A PEC, já
aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, propõe vedar a
“instituição ou incidência” de impostos sobre a “aquisição de bens e serviços
necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de
serviços”.
No passado,
quando era senador, Crivella tentou aprovar uma medida no Congresso para que
padres e pastores tivessem carteira assinada. Houve forte reação, inclusive da
Igreja Católica, e o projeto não andou.
“Os
religiosos vocacionados, caso de freiras, padres e pastores, não têm lucro,
férias nem 13º salário. Não há vínculo nenhum e eles ainda serão penalizados
com impostos?”, questionou.
Haddad entra no circuito
Na tarde
desta quinta-feira, o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem a
Receita Federal é subordinada, conversou com o presidente da Frente Parlamentar
Evangélica do Senado, Carlos Viana (Podemos-MG), depois da repercussão negativa
no segmento religioso sobre a decisão do órgão de anular a norma que dava
isenção fiscal a líderes religiosos. Ficou acertado que a bancada evangélica e
representantes do Ministério e da Receita Federal formarão um grupo de trabalho
para discutir a possível retomada da isenção.
De acordo
com Viana, a conversa com o ministro foi longa e a negociação será a prova de
que o governo Lula não quer “perseguir as igrejas”. “Nossa expectativa é de
que, com diálogo, se consiga resolver definitivamente o assunto da isenção. A
meu ver, é a maneira mais transparente do governo Lula provar que não quer
perseguir as igrejas”, afirmou o congressista em nota. Confira abaixo a íntegra
do documento.
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O líder da
Frente Parlamentar disse que o grupo será criado depois da volta do Congresso,
que está em recesso. Os trabalhos do Legislativo voltam em 1º de fevereiro.
“Nós
fizemos um acordo de que assim que os trabalhos legislativos retornarem, nós
vamos criar um grupo de parlamentares, representantes do Ministério da Fazenda
e da Receita para que a gente possa sentar e resolver definitivamente essa
questão, tornando transparente, inclusive, a todo o país o posicionamento dos
lados”, afirmou Viana.
Está
agendado para esta sexta-feira (19), um encontro de um grupo de pastores com o
Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas, para
abrir o diálogo sobre o tema.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente
do Blog do Zé Dudu em Brasília.