
Foto: Ana Volpe/Agência Senado - Ana Volpe/Agência Senado (Foto: )
Por Fabíola Sinimbú
- Repórter da Agência Brasil - Brasília
Uma Brasília diferente, que Juscelino
Kubitschek não poderia nem imaginar há 61 anos. Comércios fechados, pontos
turísticos vazios e muitos trabalhadores em um ambiente diferente daquele
desenhado e planejado por Oscar Niemeyer: o virtual.
A capital do país viveu seu primeiro
ano de cidade madura imersa em um cenário nunca visto ao longo de sua história.
“Uma imagem do início das medidas restritivas me marcou. Em uma caminhada eu
não vi ninguém na rua e passei por um parquinho, aqui tem muito isso de as
crianças irem ao parque ou brincarem em baixo do bloco, e eu não via ninguém.
Aquilo me chocou muito”, descreve a servidora pública federal Tatiane Martins.
Trabalho em casa
Nascida em Brasília e mãe de três
filhos, em idades escolares diferentes, ela se viu da noite para o dia tendo
que conciliar atividades domésticas, didáticas e profissionais em um mesmo
ambiente: o home office. “Ainda tinha a questão emocional, que no
início não sabíamos como iria ser, o que poderia acontecer com essa doença”,
lembra.
Tatiane foi uma dos quase 300 mil servidores públicos federais que trabalham
em Brasília e foram surpreendidos com a mudança na rotina. “Eu nunca
tinha feito home office, então, no início, até eu entender e montar
uma rotina levou tempo. Aos poucos eu consegui, mas muita coisa mudou,
até hoje é bem diferente do que eu vivi por anos”, diz.
No início das medidas restritivas, em 2020, o engenheiro civil do Ministério da
Economia Bruno Queiroz também permaneceu exclusivamente em home
office por quatro meses, mas com os ajustes nas medidas de segurança
sanitária, ele retomou algumas atividades presenciais necessárias à natureza de
sua atividade de fiscalizar obras. “É muito estranho, quando eu preciso ir ao
trabalho, me deparar com uma população que está em 15% do que costumava ver”,
descreve Bruno.

Teletrabalho - Marcelo
Camargo/Agência Brasil
O engenheiro conta que, no órgão em
que trabalha, a implantação do home office estava em estudo para vir a ser
aplicada parcialmente, mas a pandemia acabou acelerando o processo e incluído
quase todo o quadro, inicialmente. Para Bruno, a troca do ambiente de
convivência com os colegas de trabalho por um ambiente virtual é a parte mais
difícil. “Aquela pausa para o cafezinho, aquele bate-papo que, às vezes, dava
aquela quebrada na rotina e tornava o trabalho menos cansativo, acaba se
perdendo no ambiente virtual”, explica.
Fechando e abrindo portas
Segundo o presidente da Confederação
dos Dirigentes Lojistas do Distrito Federal, Wagner Silveira, com servidores
públicos e outros profissionais trabalhando em casa, alguns segmentos do
comércio foram alavancados, em detrimento de outros. “Bares, restaurantes, eventos
e academias foram os segmentos mais afetados, enquanto que os seguimentos
de internet, e-commerce, marketplace e material de
construção bombaram”, diz e complementa “nós esperávamos que o e-commerce em
três ou quatro anos fosse chegar ao nível que chegou no ano passado”.
Esse aumento na demanda foi sentido
diretamente na empresa de e-commerce que atua no mercado de
Brasília e do Centro-Oeste, onde Hugo Cândido ocupa o cargo de CEO. “A empresa
cresceu 61%, o esperado era 20%, então crescemos três vezes mais que o
esperado”, afirma.
Hugo conta ainda que a maior parte
dos clientes que procuraram a empresa era comerciantes locais que estavam com
seus comércios fechados e precisavam vender no mundo digital imediatamente.
“Nós poderíamos ter crescido muito mais se tivéssemos pensado
meramente na parte econômica, mas nós também decidimos ajudar as pessoas”,
conta.
Não foram todos os comércios que
conseguiram se adaptar a uma versão digital. A servidora pública Tatiane
Martins revela que ao longo do último ano, o número de comércios locais
fechados foi outra mudança no cenário da cidade que chamou a atenção. “Eu
lamento muito por estabelecimentos muito tradicionais que a gente passa e vê
que foram fechados. Restaurantes que, desde que eu era menina, eu frequentava
e hoje não existem mais.”

Comércio Brasília - Marcello
Casal
Na avaliação do presidente da CDL-DF,
"os comércios que fecharam as portas eram os que já estavam em situação de
vulnerabilidade, seja por questões administrativas ou por dificuldades em
se modernizar."
O executivo Hugo lembra que o número
de empresas que não estavam preparadas para esse momento foi tão grande que foi
necessário adaptar os serviços oferecidos para dar conta da demanda e não
deixar de atender aos clientes e também de apoiar o comércio da região em um
momento de dificuldade para a economia global. “A partir do momento que nós
diminuímos o nosso pacote de serviços para uma versão pocket, eu
também consegui abaixar o custo e com isso, atender mais pessoas”, diz.
Cultura online
Wagner Silveira diz que embora tenham
sido muitos os comércios que fecharam as portas por causa da pandemia, outros
muitos viram na crise uma oportunidade de crescimento.
Essa foi a situação de uma das mais
tradicionais casas de evento de Brasília, o Clube do Choro. “Foi um impacto
muito grande porque nossas portas estão fechadas desde março de 2020”, afirma o
violonista e diretor do Clube do Choro de Brasília, Henrique Neto.
Segundo ele, com um impacto direto na
vida de quem trabalha no espaço e dos que vivem da cultura em Brasília, o Clube
do Choro teve que se reinventar e criou atividades híbridas em que um mínimo de
pessoas trabalhavam dentro do espaço e o público acessava por meio das redes
sociais e de outras plataformas digitais. “Criamos o Instagram e
o canal no Youtube do Clube do Choro, que
agora está com uma programação bastante ativa” explica.
Além disso, novas programações foram
produzidas para aumentar a interação com o público usual, por meio desses
espaços virtuais, como o programa Papo com o Reco do Bandolim e
a programação que estava prevista para a celebração dos 60 anos de Brasília,
que aconteceria presencialmente em 2020, foi adaptada e será totalmente online,
este ano, com o nome Brasília 60 anos + 1.
Na avaliação de Henrique, a situação,
que inicialmente foi um golpe duro recebido, acabou sendo transformada pela
equipe de profissionais do espaço em uma oportunidade de expandir o alcance do
trabalho desenvolvido por músicos de Brasília a outros lugares fora do
quadradinho do DF, inclusive a outros países. “Eu tenho certeza que vai vir
para ficar essa nova possibilidade. A gente nunca vai parar de ser um ponto de
encontro, mas tem pessoas que não moram aqui e agora vão
poder ter acesso”, diz.
Turismo
A importância das pessoas no ambiente
urbano foi mais um aspecto destacado por Tatiane, a partir da percepção que
teve nos momentos em que circulou em Brasília no último ano. Os prédios
monumentais desenhados por Oscar Niemeyer, com obras de arte em suas paredes,
vitrais e mobiliários, talvez nunca tenham estado tão distantes do olhar
próximo de quem visita a cidade ou vive nela.
O próprio prédio do Clube do Choro,
desenhado pelo arquiteto e pensado para ser o ponto de fusão cultural da cidade
é também considerado um ponto turístico, mas que permaneceu sem visitantes nos
últimos meses.
“Uma das alternativas que a gente já
estruturou é um projeto chamado Complexo Cultural do Choro, no qual vamos fazer
uma programação aos finais de semana onde a gente vai promover feiras com uma
programação bastante variada musical e artística, aproveitando e integrando as
áreas externas entre o Clube do Choro e a Escola de Choro Rafael Rabello”,
afirma Henrique.
Pensando na revitalização desses
espaços, em um momento que exige distanciamento social, a Secretaria de Turismo
do Distrito Federal divulgou rotas para passeios abertos durante a pandemia,
como a Rota Náutica, com opções de passeio e vistas em toda a orla do Lago
Paranoá, o maior lago artificial urbano do mundo; e as rotas Cívica,
Arquitetônica e Cultural. “A ideia foi mostrar que Brasília é muito mais além
do que a maioria das pessoas imaginam” afirma a secretária de Turismo do
Distrito Federal Vanessa Mendonça.

Brasília 61 anos - Ponte JK - Arquivo/Marcello Casal
JrAgência Brasil

Pôr do sol no Lago Paranoá em Brasília - Marcello Casal
JrAgência Brasil
Segundo ela, o setor também recebeu
toda a assistência por meio do programa “Juntos por Brasília e Juntos pelo
Turismo” pelo qual foram realizadas ações para recuperação financeira do setor,
a criação de protocolos para eventos e para atendimento no setor hoteleiro,
além da criação de uma plataforma digital para comercialização da produção dos
artesões.
Com o retorno gradual das
atividades o setor também se transforma com o crescimento do turismo rural
que, segundo um levantamento da Setur, aumentou 40% no Distrito Federal,
durante a pandemia. “O turismo rural representa geração de emprego e a
possibilidade de manter as famílias e a comunidade no lugar onde elas nasceram,
com a perspectiva de desenvolvimento”, afirma Vanessa.
Apesar do tamanho do desafio, a jovem
senhora capital federal comemora seus 61 anos como um dos principais destinos a
serem visitados pelos brasileiros após a flexibilização das medidas restritivas
causadas pela pandemia, segundo o ranking destinos turístico tendência para 2021, realizado pelo
Ministério do Turismo.

Brasília 61 Anos - Santuário Dom Bosco - Marcello Casal
JrAgência Brasil
Ressignificada, Brasília se fortalece
pelas mãos de cada um dos mais de 3 milhões de habitantes que lutam para que
essa página da história da capital federal seja lembrada como um momento
superado. “Quando esse momento terminar, a gente vai vir fortalecido e com
novas esperanças”, conclui o musico brasiliense Henrique Neto.
Edição: Alessandra Esteves